Regresso a PAXTU | imaginário
Eram os primeiros dias de Outubro de 1938 quando cheguei aquele que seria o meu acampamento final quase no sopé do Monte Kénia, depois de percorrer os cerca de 100 klms que divide Nairobi de Nyeri.
Os 24 graus de temperatura e o elevado índice de humidade que se faziam sentir na região das chamadas terras altas centrais contrastavam com o eterno nevoeiro da cidade de Londres que tinha há alguns dias deixado para trás…
Ao longe, o monte Kenia, como que o farol de todas estas terras em torno, elevava-se majestoso e já previa um terreno que me iria agradar para muitas caminhadas… as possíveis, não tantas quantas gostaria de fazer.
Aquele espaço aberto, com muita luz e de horizontes largos, inebriava-me e como que me permitia isolar-me momentaneamente do que me rodeava. Por isso não foi surpresa o chamamento da Olave para ir até casa para o tradicional chá e também apanhar um pouco de ar fresco.
Já lá estava o meu amigo Eric Walter que ouvindo o carro a passar junto do hotel que ali fundou – Outspan Hotel – acorreu ao meu “abrigo” para nos dar as boas vindas.
De facto era ele o responsável por eu estar ali hoje e ter o meu abrigo. Nutro um especial carinho pelo Eric. Foi durante a grande guerra o meu assistente pessoal e passou por muito comigo. Durante este tempo, também veio a construir um hotel precisamente aqui em Nyeri – o Outspan Hotel- e praticamente me obrigou a construir esta casa nos terrenos contíguos, onde a partir de hoje me recolho com a minha querida Olave.
O hotel é um espaço excelente, só para clientes privilegiados e que está em funcionamento desde 1920 até aos dias de hoje.
Durante o chá e com o olhar no esplêndido por do sol, recordo a minha primeira visita a esta zona em 1927 quando andava a explorar a então o sul da Rodésia, atual Zimbabwe, tendo desde logo ficado apaixonado pela zona e pelo clima.
Foi também durante esta viagem que tive uma experiência que levarei para sempre comigo. Num dos safaris que fazíamos regularmente pernoitei, uma das noites, no abrigo a Copa das Arvores. Era de facto uma casa construída numa arvore junto a uma pequena represa de água onde durante a noite se poderia ver os animais mais difíceis de vislumbrar durante o dia. De facto ali estava o que era apenas uma grande poça de água mas que era sinónimo de vida. Conta a história que foi neste humilde abrigo que a princesa Elisabeth de Inglaterra se tornou a rainha Elisabeth II quando, também em visita oficial a esta terra do império britânico foi informada da morte do pai Jorge VI em 1952.
Mas voltando ao meu “Abrigo”, uma construção modesta com uma sala de estar grande também com grandes janelas que adoro, dois quartos e duas casas de banho e um terraço onde irei passar alguns dos meus dias, quando o construí não era de todo minha intenção fixar aqui residência.
No entanto, para além da envolvência deste espaço que tem tudo a ver comigo, homem da Natureza, e ainda a instabilidade social e política que se vive por estes dias na Europa, foram motivo suficiente para hoje estar aqui neste que será provavelmente o ultimo país que me acolherá.
A minha “Casa de África” teria de ter um nome. Um nome que tivesse a ver com aquilo que sou mas que também bebesse um pouco do lugar onde está construída, do lugar que me acolhe.
Escolhi PAXTU. PAXTU para que tenha presente um pouco da minha propriedade em Benteley, Inglaterra – PAX HILL – Paxtu (Paxdois) como a minha segunda casa;
PAXTU (Paxdois) porque seremos eu e a Olave nestes tempos que pretendemos dela desfrutar, mas também e não menos importante;
PAXTU significa no dialecto swahili completo.
E é essa a verdade, sinto-me completo! Tal como a história de Peter Pan vou para a parte da tarde da vida e sei que fiz o que tinha de fazer.
Caros Dirigentes, caros escuteiros, não sei quanto tempo tenho ainda de vida, certamente não será muito. Deixo um legado que é uma grande responsabilidade para todos vós enquanto educadores de uma geração que pode e que quer mudar o Mundo.
Olhai para todo o meu percurso após a fundação deste Movimento e para todo o vasto legado bibliográfico que está à vossa disposição. Não leiam à letra mas apanhem o verdadeiro sentido da mensagem e logo perceberão que o que hoje vos ensino vai-se de certeza adaptando à realidade que não vai mudar nem numa nem em duas gerações.
O sol está a desaparecer, sinto a falta de todos os “meus” escuteiros, dos acampamentos, das visitas de toda essa emoção que fez da minha vida um tempo especial que correu demasiado depressa, mas deito-me na certeza que vós sereis o garante da continuação desta Missão que não terá fim.
Amigos e irmãos escutas desejo-vos uma vida feliz e cheia tal como foi a minha.
Do vosso,
Baden Powell